segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A Terra da minha Infância

Interior da Sé da Guarda

Nos verdes anos da minha instrução primária, quando frequentava a Escola do Asilo, na cidade da Guarda, confesso que tinha uma pequena vaidade, uma vaidadezinha ingénua mas irreprimível, quando me perguntavam qual a minha naturalidade. É que eu, ao contrário da quase totalidade dos meus colegas de classe, não tinha nascido na Guarda nem em qualquer das freguesias rurais do concelho. Eu era de Lisboa!
Passados poucos anos, quando, com os meus pais e o meu irmão, viemos viver para a capital (o que aconteceu nos meus 14 anos), fui modificando as minhas preferências e, iludindo a verdade do registo civil, passei a dizer-me natural da Guarda. É que Lisboa, belíssima capital pela qual nutro o maior carinho, é uma cidade que “é de todos mas não é de ninguém”. Não assim com a Guarda. Da Guarda são os que ali nasceram, mas também – o que é o meu caso – os que ali têm as suas raízes.
Na Guarda tinha o quintal, o leitura do “Cavaleiro Andante”, o frio do Inverno e a beleza dos poentes de Setembro. E tinha os meus livros, desde o “Pauvre Blaise”, da Condessa de Ségur, até aos “Salgaris”, aos “Júlios Vernes” e aos “Alexandres Dumas” e, depois, aos clássicos da nossa literatura, que lia apaixonadamente à sombra do castanheiro grande.
Na Guarda tinha a minha casa – um casarão da família, ao fundo da Rua 31 de Janeiro, então identificada como Rua D. Luís I. Era uma construção antiga, com um “pé direito” muito alto, fria e desprovida de aquecimentos, para além do proporcionado pela braseira da sala de estar, onde, no Inverno, se passava quase todo o dia, e pelo fogão de lenha, na cozinha.
 O quintal era o meu reino. Além de muito extenso, tinha os mais variados motivos de interesse: o “barroco da moura”, a “mina” (que era, na verdade, uma nascente, à qual se acedia por um corredor estreito e praticamente subterrâneo), a pedreira, o tanque e a bomba de puxar a água, o pinhal e as giestas, os castanheiros e as variadas espécies de  árvores de fruto. Ali passei, com os meus amigos, com o meu irmão e os meus primos dias muito felizes. Eram as lutas entre índios e cow-boys, eram as abordagens de flibusteiros e os combates de capa e espada, era o Ralph (pronunciávamos Rolfe), com o seu ar de galã juvenil dotado de uma natural destreza e elegância de gestos e movimentos  a reproduzir os truques que tinha visto fazer ao Errol Flynn, no último filme passado no Cine-Teatro, eram os jogos de futebol.
Neste rol de boas memórias se me figura ainda hoje a Guarda, berço que me foi de uma infância acarinhada e feliz.

2 comentários:

  1. Zéaugostamigo

    Todos nós temos recordações das nossas infâncias, umas boas, outras... menos boas. Felizmente que as primeiras, para mim, suplantam e muito as segundas. O que sei que nos é comum.

    Um quintalão carregado de mistérios para desvendar, de enigmas para desembrulhar, de maravilhas para regalar, também o tive, na casa da minha tia-avó Etelvina, ali no Vale de Santarém, ao pé da fonte da Joaninha dos olhos verdes.

    E o quintalão dos meu avô Braz em Portalegre? Com uma pereira, duas macieiras, uma diospireira (???), legumes diversos e três figueiras, de uma das quais caí, partindo pela primeira vez a cabeça?

    E os outros? E o mais maneirinho na Rua Filipe da Mata, onde morei desde que vim a este desgraçado Mundo - que na altura não era assim tão desgraçado?

    Prontos, sem s, fizeste-me recordar coisas boas, o que cada vez é mais difícil. Obrigado, querido Amigo - e força!

    Abs

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  2. Meu caro Henrique:
    Aqui vai o meu muito obrigado pels leitura e pelos comentários que os textos do meu juvenil blogue te mereceram. A Maria Lúcia não deixará de acrescentar uma palavra.
    A respeito deste regresso à Guarda,limito-me a acrescentar uma nota pessoal: é que é verdade que à cidade e aos seus campos dedicou o meu pai uma verdadeira veneração. Amava a terra e as suas gentes.Quando, por razões familiares, teve de vir trabalhar para Lisboa, perdeu muita da alegria que só o campo era capaz de lhe proporcionar. Era como se tivesse perdido as raízes, porque muito mais do que o Direito, era a agricultura (a lavoura, como diria alguém) a sua verdadeira vocação.
    Aproveito para agradecer, do fundo do coração, os votos amigos que me tens dirigido nestes dias difíceis.

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