quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Democracia, Liberdade de Imprensa e Sentido de Estado



Os governos – todos os governos – gostam do aplauso e detestam a crítica.

Os governos – todos os governos – gostariam de ter uma comunicação social mais colaborante e encomiástica.

Os governos – todos os governos – convivem mal com a liberdade de informação.

Mas só alguns governos são capazes de calar as vozes mais incómodas e mais críticas Fazem-no os governos dos países do terceiro mundo. Fazem-no os governos dos regimes ditatoriais. Num e noutro caso, com a violação dos direitos fundamentais daqueles que ousam criticar os “chefes”. Utilizando, em regra, a censura como arma e os mecanismos da repressão por polícias políticas como instrumento dissuasor.

Tentam também fazê-lo, por vezes, embora por outros métodos, alguns governantes em regimes democráticos. Nesses casos, quando mais duramente atacados através do exercício do direito à livre expressão, há governantes que soltam a sua indignação, que até pode ser compreensível ou mesmo justa, transformando-a, porém, em violentas censuras públicas, com utilização de expressões pouco próprias de quem governa.

Chamo a isso falta de “sentido de Estado”! Vou dar um exemplo.

O Presidente Richard Nixon foi um político profissional, experiente e bem sucedido em muitos aspectos. Negociou a retirada das forças dos Estados Unidos durante a guerra do Vietname, aproximou o seu país da República Popular da China e viajou até Moscovo, onde deu importante impulso às negociações com a União Soviética sobre a redução de armamento. Na política interna, travou dura luta contra a inflação, mediante o controlo de preços e salários e a redução dos gastos públicos.

Apesar disso, saiu humilhado da Casa Branca, na sequência do escândalo Watergate. Um aparentemente vulgar assalto a um edifício com esse nome, ocorrido em 1972, no período da campanha eleitoral que conduziu à reeleição de Nixon, esteve na origem de um escândalo político que acabou com a resignação do Presidente dois anos depois. O mérito da descoberta da verdade, ou seja, das ligações da Casa Branca ao assalto ao edifício Watergate e da descoberta de um sistema secreto de gravações, ficou a dever-se à persistência de dois jornalistas – Bob Woodward e Carl Bernstein – e à acção determinada e corajosa do seu jornal – o Washington Post. Nixon indignou-se, acusou a investigação, qualificando-a como infame e falsa, insultou os investigadores e o jornal. Ficaram célebres os seus acessos coléricos e a sua propensão para a utilização de vocabulário capaz de envergonhar um estivador. Negou, negou sempre a sua implicação e as suas responsabilidades.

Mas, dois anos volvidos, pouco antes da votação, pelo Congresso, do processo de impeachment que sobre ele pendia, viu-se obrigado a renunciar à presidência dos EUA. Ficou célebre a frase dramática que constituiu a sua última defesa: “I´m not a crook” (Eu não sou um vigarista). Na verdade, o Congresso, os tribunais e o procurador especial nomeado haviam feito prova das ligações da Casa Branca e do envolvimento do Presidente Nixon. Triste fim para um político inteligente, hábil, bem sucedido em múltiplos domínios, que não precisava do que aconteceu em Watergate para ser reeleito folgadamente contra o apagado candidato democrata George McGovern.

Faltava-lhe, porém, um atributo importante para um político: a compostura. E outro, fundamental para um líder: o sentido de Estado.

O sentido de Estado pressupõe respeito pelo cargo, sentido do dever, correcção, sobriedade, equilíbrio, ética pessoal. Em suma, o sentido de Estado implica aprumo e, sempre que necessário, capacidade de distanciamento em relação a companhias e amigos. Mas aqueles que me lerem estarão de acordo em que o que acabo de escrever deveria ter também plena aplicação neste nosso pequeno e pobre país.

1 comentário:

  1. Zéaugustamigo

    Devia ter, mas não tem. Pelo Mundo fora há muitos mais casos, mas o povo, na sua infinita sabedoria, diz que «com o mal dos outros posso eu bem»... E está tudo dito.

    Abs

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