O “CAVALEIRO ANDANTE” faz parte integrante das minhas mais queridas recordações de infância e foi uma fonte de exaltação para uma boa parte dos jovens da minha geração. Tratava-se de uma revista juvenil em banda desenhada, de publicação semanal, dirigida por Adolfo Simões Muller. O seu primeiro número, com a capa, a quatro cores (amarelo, azul, vermelho e verde), representava precisamente um cavaleiro medieval montado no seu corcel, com armadura, elmo e escudo, de lança em punho, preparando-se para a “justa”. Sucedeu ao “Diabrete” e foi publicado entre 5 de Janeiro de 1952 – ainda eu não tinha 10 anos – e 15 de Agosto de 1962, com 556 números publicados. Os meus primos mais velhos recordavam também com saudade o “Mosquito”, o qual, no entanto, já não fez parte das minhas leituras de menino.
Associo o meu encantamento com o “Cavaleiro Andante” à cidade da Guarda, uma vez que me acompanhou até aos meus 14-15 anos, isto é, durante os últimos 5 anos que ali vivi. Contemporâneo do “Cavaleiro Andante”, era também publicado o “Mundo de Aventuras”, mais virado para mundos inter-galácticos, aventuras espaciais e para histórias de índole psicológica ou hipnótica que não me tocavam tanto. Alguns dos seus heróis favoritos eram o Flash Gordon e o Mandrake.
Tive, com o meu amigo Raul Nobre, apreciador do “Mundo de Aventuras”, grandes e acaloradas conversas acerca dos méritos relativos das duas revistas. Cada qual ficou na sua e eu mantive-me fiel, desde o primeiro número, ao “Cavaleiro Andante”, onde predominavam as aventuras na “pradaria”, de índios e cowboys, as histórias de cavalaria e de cruzados, de corsários e de tesouros escondidos, assim como as heroicidades de Tarzan, as aventuras misteriosas do Professor Mortimer e do Capitão Edgar[1], em séries inesquecíveis de E. P. Jacobs, como “O Enigma da Atlântida”, “A Marca Amarela” ou “O Mistério da “Grande Pirâmide”, além das extraordinárias e encantadoras façanhas do repórter Tintim, do Rom-Rom[2] e do Capitão Rosa[3], cujo encantamento pudemos reviver, mais de cinquenta anos depois -, com a sua publicação por iniciativa do Jornal “Público”.
O “Cavaleiro Andante” saía ao sábado e o comboio que trazia os jornais de Lisboa chegava à Guarda um pouco depois das 14 horas. Os jornais eram, então, transportados por uma camioneta que fazia o percurso da estação até à cidade, onde chegava, correndo tudo normalmente, pelas 15 horas. A essa hora já eu esperava impaciente a chegada da viatura, junto da “central de camionagem” (para utilizar a terminologia de hoje), perto da Igreja da Misericórdia, no largo fronteiro à paragem dos táxis. Logo que avistava a camioneta, seguia, sem demoras, para o Café Mondego, infelizmente já desaparecido, onde, no meu tempo, havia, à direita de quem entrava, um espaço reservado para a venda dos jornais e das revistas.
Era importante ficar colocado logo na primeira fila, junto ao balcão, por detrás do qual imperava um velhote rabugento, que tinha por hábito cuspir regularmente para o chão, coberto com serradura, ao mesmo tempo que abria, com um estilete, os maços e pacotes com os jornais acabados de transportar num carrinho de mão. Depois, para endireitar e alisar os jornais e as revistas, batia fortemente com eles, por várias vezes, sobre o balcão, após o que os arrumava nas prateleiras, deixando no balcão as publicações mais procuradas: os jornais desportivos (“A Bola”, o “Mundo Desportivo” e o “Record”), o “Diário de Notícias” e o “Século” – e também o “Cavaleiro Andante”.
Logo que recebia o meu exemplar, a impaciência era tanta que não se compadecia com os cerca de 15 minutos de percurso a pé até minha casa. Sentava-me logo, chovesse ou nevasse, no banco mais próximo do jardim contíguo ao “Café Mondego”, onde folheava a revista e lia, em diagonal, os episódios cuja continuação mais me emocionava. Só depois seguia, em passo acelerado, para casa, onde, bem instalado no meu quarto, lia e relia com toda a atenção todas as aventuras da publicação.
Regularmente, no Natal e na Páscoa, saíam, para além da publicação semanal, números especiais. Eram álbuns temáticos que contavam uma história com princípio, meio e fim (em geral versões ilustradas de grandes romances de aventuras).
Ainda revivo o encantamento e, até, o fascínio com que devorava essas aventuras. Lembro-me de, um dia, ter querido compartilhar com o meu pai o prazer que me tinha dado a leitura de um desses álbuns, que tinha por título “O Último Mohicano”. Quando, no dia seguinte, o meu pai mo devolveu, perguntei se tinha gostado. E recordo a minha desilusão, quando o meu pai, afectuosamente, me respondeu: “Sabes, meu filho, estas histórias em quadradinhos já não são propriamente para a minha idade”. Na verdura dos meus onze anos, intuí, se calhar pela primeira vez, que a vida dos adultos devia ser muito, muito “chata”.